Homens inquietos movidos
pela busca de Deus
Homilia do Papa Bento XVI na Solenidade da Epifania do Senhor e
Ordenação episcopal de quatro sacerdotes
Amados irmãos e irmãs!
Para a Igreja crente e orante, os Magos do Oriente, que, guiados
pela estrela, encontraram o caminho para o presépio de Belém, são apenas o
princípio duma grande procissão que permeia a história. Por isso, a liturgia lê
o Evangelho que fala do caminho dos Magos juntamente com as estupendas visões
proféticas de Isaías 60
e do Salmo 72
que ilustram, com imagens ousadas, a peregrinação dos povos para Jerusalém.
Assim como os pastores – os primeiros convidados para irem até junto do Menino
recém-nascido deitado na manjedoura – personificam os pobres de Israel e, em
geral, as almas simples que interiormente vivem muito perto de Jesus, assim
também os homens vindos do Oriente personificam o mundo dos povos, a Igreja dos
gentios: os homens que, ao longo de todos os séculos, se encaminham para o
Menino de Belém, n’Ele honram o Filho de Deus e se prostram diante d’Ele. A
Igreja chama a esta festa «Epifania» – a manifestação do Divino. Se
considerarmos o facto de que desde então homens de todas as proveniências, de
todos os continentes, das mais diversas culturas e das diferentes formas de
pensamento e de vida se puseram, e estão, a caminho de Cristo, podemos
verdadeiramente dizer que esta peregrinação e este encontro com Deus na figura
do Menino é uma Epifania da bondade de Deus e do seu amor pelos homens
(cf. Tt 3,
4).
Seguindo uma tradição iniciada pelo Beato Papa João Paulo II,
celebramos a festa da Epifania também como dia da Ordenação episcopal de quatro
sacerdotes que daqui em diante irão colaborar, em diferentes funções, com o
Ministério do Papa em prol da unidade da única Igreja de Jesus Cristo na
pluralidade das Igrejas particulares. A conexão entre esta Ordenação episcopal
e o tema da peregrinação dos povos para Jesus Cristo é evidente. O Bispo tem a
missão não apenas de se incorporar nesta peregrinação juntamente com os demais,
mas de ir à frente e indicar a estrada. Nesta liturgia, porém, queria reflectir
convosco sobre uma questão ainda mais concreta. Com base na história narrada
por Mateus, podemos certamente fazer uma ideia aproximada do tipo de homens
que, seguindo o sinal da estrela, se puseram a caminho para encontrar aquele
Rei que teria fundado uma nova espécie de realeza, e não só para Israel mas
para a humanidade inteira. Que tipo de homens seriam então eles? E
perguntemo-nos também se a partir deles, não obstante a diferença dos tempos e
das funções, seja possível vislumbrar algo do que é o Bispo e de como deve ele
cumprir a sua missão.
Os homens que então partiram rumo ao desconhecido eram, em
definitiva, pessoas de coração inquieto; homens inquietos movidos pela busca de
Deus e da salvação do mundo; homens à espera, que não se contentavam com seus
rendimentos assegurados e com uma posição social provavelmente considerável,
mas andavam à procura da realidade maior. Talvez fossem homens eruditos, que
tinham grande conhecimento dos astros e, provavelmente, dispunham também duma
formação filosófica; mas não era apenas saber muitas coisas que queriam;
queriam sobretudo saber o essencial, queriam saber como se consegue ser pessoa
humana. E, por isso, queriam saber se Deus existe, onde está e como é; se Se
preocupa connosco e como podemos encontrá-Lo. Queriam não apenas saber; queriam
conhecer a verdade acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo. A sua peregrinação
exterior era expressão deste estar interiormente a caminho, da peregrinação
interior do seu coração. Eram homens que buscavam a Deus e, em última
instância, caminhavam para Ele; eram indagadores de Deus.
Chegamos assim à questão: Como deve ser um homem a quem se impõem
as mãos para a Ordenação episcopal na Igreja de Jesus Cristo? Podemos dizer:
deve ser sobretudo um homem cujo interesse se dirige para Deus, porque só então
é que ele se interessa verdadeiramente também pelos homens. E, vice-versa,
podemos dizer: um Bispo deve ser um homem que tem a peito os outros homens, que
se deixa tocar pelas vicissitudes humanas. Deve ser um homem para os outros;
mas só poderá sê-lo realmente, se for um homem conquistado por Deus: se, para
ele, a inquietação por Deus se tornou uma inquietação pela sua criatura, o
homem. Como os Magos do Oriente, também um Bispo não deve ser alguém que se
limita a exercer o seu ofício, sem se importar com mais nada; mas deve
deixar-se absorver pela inquietação de Deus com os homens. Deve, por assim
dizer, pensar e sentir em sintonia com Deus. Não é apenas o homem que tem em si
a inquietação constitutiva por Deus, mas esta inquietação é uma participação na
inquietação de Deus por nós. Foi por estar inquieto connosco que Deus veio
atrás de nós até à manjedoura; mais: até à cruz. «A buscar-me Vos cansastes,
pela Cruz me resgatastes: tanta dor não seja em vão!»: reza a Igreja no Dies irae. A
inquietação do homem por Deus e, a partir dela, a inquietação de Deus pelo
homem não devem dar tréguas ao Bispo. É isto que queremos dizer, ao afirmar que
o Bispo deve ser sobretudo um homem de fé; porque a fé nada mais é do que ser
interiormente tocado por Deus, condição esta que nos leva pelo caminho da vida.
A fé atrai-nos para dentro de um estado em que somos arrebatados pela
inquietação de Deus e faz de nós peregrinos que estão interiormente a caminho
para o verdadeiro Rei do mundo e para a sua promessa de justiça, de verdade e
de amor. Nesta peregrinação, o Bispo deve ir à frente, deve ser aquele que
indica aos homens a estrada para a fé, a esperança e o amor.
A peregrinação interior da fé para Deus realiza-se sobretudo na
oração. Santo Agostinho disse certa vez que a oração, em última análise, nada
mais seria do que a actualização e a radicalização do nosso desejo de Deus. No
lugar da palavra «desejo», poderíamos colocar também a palavra «inquietação» e
dizer que a oração quer arrancar-nos da nossa falsa comodidade, da nossa
clausura nas realidades materiais, visíveis, para nos transmitir a inquietação
por Deus, tornando-nos assim abertos e inquietos uns para com os outros. O
Bispo, como peregrino de Deus, deve ser sobretudo um homem que reza, deve estar
em permanente contacto interior com Deus; a sua alma deve estar aberta de par
em par a Deus. As dificuldades suas e dos outros bem como as suas alegrias e as
dos demais deve levá-las a Deus e assim, a seu modo, estabelecer o contacto
entre Deus e o mundo na comunhão com Cristo, para que a luz de Cristo brilhe no
mundo.
Voltemos aos Magos do Oriente. Eles eram também e sobretudo homens
que tinham coragem; tinham a coragem e a humildade da fé. Era preciso coragem a
fim de acolher o sinal da estrela como uma ordem para partir, para sair rumo ao
desconhecido, ao incerto, por caminhos onde havia inúmeros perigos à espreita.
Podemos imaginar que a decisão destes homens tenha provocado sarcasmo: o
sarcasmo dos ditos realistas que podiam apenas zombar das fantasias destes
homens. Quem partia baseado em promessas tão incertas, arriscando tudo, só
podia aparecer como ridículo. Mas, para estes homens tocados interiormente por
Deus, era mais importante o caminho segundo as indicações divinas do que a
opinião alheia. Para eles, a busca da verdade era mais importante que a zombaria
do mundo, aparentemente inteligente.
Vendo tal situação, como não pensar na missão do Bispo neste nosso
tempo? A humildade da fé, do crer juntamente com a fé da Igreja de todos os
tempos, há-de encontrar-se, vezes sem conta, em conflito com a inteligência
dominante daqueles que se atêm àquilo que aparentemente é seguro. Quem vive e
anuncia a fé da Igreja encontra-se em desacordo também em muitos aspectos, com
as opiniões dominantes precisamente no nosso tempo. O agnosticismo, hoje
largamente imperante, tem os seus dogmas e é extremamente intolerante com tudo
o que o põe em questão, ou põe em questão os seus critérios. Por isso, a
coragem de contradizer as orientações dominantes é hoje particularmente
premente para um Bispo. Ele tem de ser valoroso; e esta valentia ou fortaleza
não consiste em ferir com violência, na agressividade, mas em deixar-se ferir e
fazer frente aos critérios das opiniões dominantes. A coragem de permanecer
firme na verdade é inevitavelmente exigida àqueles que o Senhor envia como cordeiros
para o meio de lobos. «Aquele que teme o Senhor nada temerá», diz Ben Sirá (34,
14). O temor de Deus liberta do medo dos homens; faz-nos livres!
Neste contexto, recordo um episódio dos primórdios do cristianismo
que São Lucas narra nos Actos
dos Apóstolos. Depois do discurso de Gamaliel, que desaconselha a
violência contra a comunidade nascente dos crentes em Jesus, o Sinédrio
convocou os Apóstolos e fê-los flagelar. Depois proibiu-os de pregar em nome de
Jesus e pô-los em liberdade. São Lucas continua: Os Apóstolos «saíram da sala
do Sinédrio cheios de alegria por terem sido considerados dignos de sofrer
vexames por causa do Nome de Jesus. E todos os dias (...) não cessavam de
ensinar e de anunciar a Boa-Nova de Jesus, o Messias» (Act 5, 41-42). Também
os sucessores dos Apóstolos devem esperar ser, repetidamente e de forma
moderna, flagelados, se não cessam de anunciar alto e bom som a Boa-Nova de
Jesus Cristo; hão-de então alegrar-se por terem sido considerados dignos de
sofrer ultrajes por Ele. Naturalmente queremos, como os Apóstolos, convencer as
pessoas e, neste sentido, obter a sua aprovação; naturalmente não provocamos,
antes, pelo contrário, convidamos todos a entrarem na alegria da verdade que
indica a estrada. Contudo o critério ao qual nos submetemos não é a aprovação
das opiniões dominantes; o critério é o próprio Senhor. Se defendemos a sua
causa, conquistaremos incessantemente, pela graça de Deus, pessoas para o
caminho do Evangelho; mas inevitavelmente também seremos flagelados por aqueles
cujas vidas estão em contraste com o Evangelho, e então poderemos ficar
agradecidos por sermos considerados dignos de participar na Paixão de Cristo.
Os Magos seguiram a estrela e assim chegaram a Jesus, à grande Luz
que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem (cf. Jo 1, 9). Como peregrinos da fé, os
Magos tornaram-se eles mesmos estrelas que brilham no céu da história e nos
indicam a estrada. Os santos são as verdadeiras constelações de Deus, que
iluminam as noites deste mundo e nos guiam. São Paulo, na Carta aos Filipenses,
disse aos seus fiéis que devem brilhar como astros no mundo (cf. 2, 15).
Queridos amigos, isto diz respeito também a nós. Isto diz respeito
sobretudo a vós que ides agora ser ordenados Bispos da Igreja de Jesus Cristo.
Se viverdes com Cristo, ligados a Ele novamente no Sacramento, então também vós
vos tornareis sábios; então tornar-vos-eis astros que vão à frente dos homens e
indicam-lhes o caminho certo da vida. Neste momento, todos nós aqui rezamos por
vós, pedindo que o Senhor vos encha com a luz da fé e do amor, que a
inquietação de Deus pelo homem vos toque, que todos possam experimentar a sua
proximidade e receber o dom da sua alegria. Rezamos por vós, para que o Senhor
sempre vos dê a coragem e a humildade da fé. Rezamos a Maria, que mostrou aos
Magos o novo Rei do mundo (cf. Mt 2,
11), para que, como Mãe amorosa, mostre Jesus Cristo também a vós e vos ajude a
serdes indicadores da estrada que leva a Ele. Amen.
Fonte: www.zenith.org
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